A obra de Júnior Almeida faz jus ao elevado patamar artístico que o gênero canção atingiu no Brasil. Inspirado pela aridez, simplicidade e sensibilidade do sertão, Nu, seu quinto álbum de carreira, segue o bom caminho trilhado pelo cantor e compositor alagoano em seus trabalhos anteriores. No texto abaixo, o próprio Júnior Almeida detalha o processo criativo, as inspirações e as parcerias que levaram ao disco.

 

Nu começou de uma vontade imensa de fazer o simples. Retirar os excessos. De buscar a sonoridade necessária de cada canção, trazendo para o centro a poesia, o canto e a melodia. Nasceu, como conceito, da procura pelo sertão existencial. Do sertão como estado de espírito. O sertão contemplativo que cala e se espalha por paisagens de horizontes imensos e quase desertos. Os sertões da alma, presente em vários lugares do nosso grande mundo.

Tomou forma enquanto eu lia Grande Sertão Veredas e passeava minha vista pela paisagem provocante da Ilha do Ferro (Alagoas) e as esculturas de seus artistas fantásticos.

Tomou forma nas conversas com o poeta Fernando Fiúza, que, inevitavelmente, tornou-se parceiro em seis das onze músicas do disco. Entre elas, “O Sertão Cicatriza”, a primeira música composta dentro do espírito do projeto, abrindo assim caminho para todas as outras que formam o repertório do disco.

Sempre gostei de trabalhar meus discos através de um conceito previamente pensado (ou sentido). Com Nu, esse jeito de trabalhar, se deu na forma mais completa.

Existia a forma e o sentimento. Faltava concretizar. Transformar em sons aqueles caminhos melódicos que brotavam do jeito mais espontâneo, denunciando a imensa necessidade de expressar o que não tinha mais porque guardar. Meu sertão estava pronto para existir no espaço das canções.

No começo, pensava em algo muito básico, um quase voz e violão. Talvez por me sentir satisfeito com o jeito como aquelas canções surgiam e tomavam forma no processo da composição. Mas aos poucos escutei sonoridades diferentes naqueles sentimentos. Sons que me levavam ao meu primeiro trabalho gravado numa fita cassete, lá no começo de tudo. Era o Transparências, que, visto hoje, já apontava diretamente para o nascimento do Nu.

Chamei para conversar o maestro Almir Medeiros, amigo de muito tempo e parceiro único no Transparências, aonde tocava cello, clarinete e sax. Conversamos sobre o conceito do disco. Lembro de ter falado bastante sobre os sertões, os vazios, os silêncios e o sentimento forte de existência que vinha se transformando na base imaginária desse novo trabalho. Almir gostou da ideia e combinamos nos reunir todas as segundas no estúdio do Emmanuel Miranda (Sapulha), para tocar e ver o que tinha a ver com aquilo tudo. Completaram a nossa mínima orquestra o grande amigo de longas datas Toni Augusto (violonista e guitarrista), e o Bruno Palagani, que trouxe para o nosso trabalho a sonoridade criativa do seu bandolim. Estava completa a equipe, e o Nu nascia do jeito que eu mais queria, cercado de amigos, afetos e muitas histórias para lembrar e contar.

A gravação aconteceu da melhor forma possível, e posso dizer com certeza, que foi o disco mais fácil que fiz. O mais simples e o mais profundo.

Acho que a imagem mais fiel do disco, é perfeitamente visível na música “Nu”, música que virou título e foi composta com a clara intenção de tentar transmitir o conceito e os sentimentos presentes nesse novo trabalho.

 

Inevitável também destacar as participações especiais.

Para começar, o querido Zeca Baleiro, que trouxe sua voz e seu afeto para “Trela”, uma parceria minha com o Fernando Fiúza.  Essa música chegou primeiro como melodia e vagou solitária durante muito tempo em busca da letra que lhe daria sentido. Valeu a espera, pois, quando a letra nasceu, parecia que já estava lá, fazendo charme, escondida, aguardando apenas uma frase (“Ela acredita no amor, é louca!”) para se revelar e se tornar canção. Chegou com tanta força que trouxe junto com ela uma visita muito especial, meu querido amigo e músico de extrema qualidade, Fernando Nunes. Por coincidência (ou não), o Fernando, que toca com o Zeca, mora em São Paulo, mas é Alagoano, estava passando pela nossa cidade (Maceió). Fiz o convite para que ele fosse ao estúdio assistir uma sessão de gravação. Quando mostrei “Trela”, a música escolhida para ser gravada naquela noite, foi inevitável o convite para que ele tocasse com a gente. O que terminou fazendo com que ele não só tocasse o seu instrumento (baixo), como também programasse uma levada rítmica, e, inevitavelmente, assumisse a produção daquela faixa.

Mart’nália foi a outra participação especial. Ela já tinha gravado uma música minha (“Os Sinais”) no seu disco Não Tente Compreender, disco produzido pelo Djavan, nosso especial e querido conterrâneo. Da relação carinhosa estabelecida por conta dessa parceria, surgiu o convite para que ela emprestasse sua voz particularíssima para a música “Quarto Sem Porta”, parceria minha com o Wado, artista que admiro e que habita a mesma cidade em que vivo.