Os compositores Celso Fonseca e Ronaldo Bastos iniciaram uma das mais frutíferas parcerias da MPB nos anos 1980, quando foram gravados por nomes como Gal Costa e Caetano Veloso, Ney MatogrossoMaria BethâniaZizi Possi e outros.

De lá pra cá, os dois mantiveram a parceria, que agora deságua no EP Mágica, novo lançamento da Dubas. O trabalho reúne seis canções: três que permaneciam inéditas há décadas e três novas. Todas elas são apresentadas na voz e violão de Celso Fonseca, um dos maiores instrumentistas do Brasil.

Reproduzimos aqui a entrevista que os dois artistas concederam ao IMMuB sobre o novo lançamento e a parceria que mantém nos últimos anos. Confira logo abaixo!

IMMuB: Com três álbuns de repertório original, agora esse novo EP com seis músicas, muitas canções espalhadas em trabalhos de diversos artistas e inúmeras canções inéditas, podemos afirmar que a parceria entre vocês dois é das mais constantes e produtivas da música popular brasileira. O que mantém a chama acesa, passados 35 anos do lançamento de “Sorte” nas vozes de Gal Costa e Caetano Veloso?

Ronaldo: A vontade de fazer canções. Eu e o Celso temos uma química muito boa na hora de compor juntos. Nós criamos uma persona que tem nos permitido ir para vários lugares, sem compromisso de termos que falar sempre das nossas próprias vivências. Isso nos dá muita liberdade. Temos um norte comum apesar de sermos diversos. E somos amigos, o que faz com que tudo seja mais desfrutável.

IMMuB: Como surgiu a ideia de começarem a lançar álbuns autorais, assinando “Celso Fonseca e Ronaldo Bastos”? Havia a pretensão de se tornar uma dupla artística reconhecida?

Celso: Se não me falha a memória, a ideia foi minha. Achei que assinarmos “Celso Fonseca e Ronaldo Bastos” daria uma importância necessária ao ofício do compositor, que num determinado momento da história da nossa música popular havia sido deixado de lado – mencionando sempre o nome do intérprete como a figura central da canção. Coisa que se repete até hoje de um jeito ainda mais recorrente. Fiz questão de adotar esse título e conceito em todos os trabalhos que lançamos, e, afinal, sem querer, conseguimos imprimir uma assinatura muito pessoal em tudo o que fizemos. Esse fato reforçou ainda mais o caráter da nossa parceria.

IMMuB: “Paradiso” é para muitos um álbum de culto, com canções ‘mágicas’ que poderiam ter tido mais atenção da mídia na época. Mesmo assim, “Paradiso” virou álbum de cabeceira de muita gente e referência para outros artistas, produtores e personalidades da indústria, como o saudoso André Midani. Como é a relação de vocês com esse álbum hoje e o que sentem ao escutar artistas como Luiz MelodiaNana Caymmi e Paulo Miklos reinterpretando essas canções na releitura “Liebe Paradiso”?

Ronaldo: Eu adoro esse álbum. Sinto que foi nele que Celso encontrou sua forma de cantar e gravar. A magia do “Paradiso” original vem das canções e do tratamento ainda minimalista do som. O álbum contou com participações pontuais de grandes músicos solistas, além dos arranjadores que já tinham colaborado conosco em “Sorte“. O que o projeto “Liebe Paradiso” fez com essas canções, tantos anos depois, foi expandir as possibilidades sonoras delas, fazendo com que elas pudessem chegar a mais pessoas. E cada nova interpretação contribuiu para que o álbum, com toda sua modernidade e estranheza, ganhasse a força de um clássico. Eu amo escutar tanto o “Paradiso” quanto o “Liebe Paradiso”. São dois lados da mesma viagem.

         

 

IMMuB: Juventude / Slow Motion Bossa Nova” parece ter sido um divisor de águas na carreira de vocês. O álbum contou com produção luxuosa, músicos excepcionais, repertório inspirado e propôs uma estética nova para a música brasileira pós bossa nova, fugindo dos clichês importados da música eletrônica tão em voga no início dos anos 2000. Como foi a recepção a esse trabalho no Brasil e em outros países?

Celso: Sim. Esse é um outro divisor de águas, partindo do que havíamos feito no “Paradiso”. A estética, mais uma vez, foi uma coisa que aconteceu naturalmente. Desde as composições até os estilos diferentes, tanto de letra como da diversidade das melodias, foi uma coisa absolutamente natural. Nada foi pensado para que fizéssemos uma coisa nova ou mais avançada para aquele tempo em que foi criado. Tudo foi feito de uma maneira muito orgânica. Tudo fluiu naturalmente e ali foi consolidada mais uma vez a personalidade da nossa parceira e a intenção de fazer exatamente o que os nossos instintos nos ditavam. Nada foi premeditado. Tudo ali é a essência do que somos juntos como compositores. Não posso deixar de dizer que sem a contribuição de todos os envolvidos no álbum, desde a iniciativa do Washington Olivetto até a participação dos músicos, técnicos, artistas gráficos e todos os demais que contribuíram para a confecção daquele trabalho, nada disso teria sido possível. Aliás, isso vale para todos os nossos trabalhos.  Mais recentemente, a contribuição do Leo Pereda como produtor e idealizador de muita coisa que fazemos, também é um fator determinante para que os nossos álbuns tenham uma beleza, uma unidade e um frescor absolutos. A sua chegada foi uma coisa fundamental, já que antes disso, eu produzia os álbuns sozinho contando apenas com a minha solitária intuição.

IMMuB: “Mágica” é o primeiro lançamento fonográfico de vocês só com canções inéditas desde “Juventude / Slow Motion Bossa Nova”. E, segundo consta no release do EP, são três canções novas e três que estavam guardadas há muito tempo. Vocês costumam compor só para os álbuns e sob encomenda para outros artistas, ou a produção de vocês independe desses fatores?

Ronaldo: Nós pensamos em música o tempo todo. Eu e Celso estamos sempre trabalhando em canções juntos e temos um repertório enorme de inéditas. É claro que adoramos fazer canções para os intérpretes gravarem. A gente ama quando isso acontece, mas não é isso o que nos faz sentir vontade de compor. Cada canção tem uma cara e vem de uma maneira particular. Às vezes sentimos que é para enviar para alguém, outras vezes guardamos para nossos projetos. E encomendas são um ótimo incentivo e sempre bem-vindas. Ao mesmo tempo, nossos álbuns em parceria são conceituais. Nós sabemos o que vai fazer parte de determinado projeto desde o início, mesmo que seja num futuro não muito próximo. Tem canções que correm na paralela, mas, aviso aos navegantes: nós não temos ‘sobras de estúdio’ ou canções que ficaram de fora de tal o qual projeto. Por isso, nós nos sentimos tão à vontade na hora de fechar o repertório do “Mágica”. As seis canções fazem parte do mesmo universo, mesmo tendo sido feitas em tempos diferentes. Eu fiquei muito feliz com a nossa mágica. Está tudo solto na plataforma do ar…

IMMuB: Já houve interesse de intérpretes em gravarem um álbum só com composições de vocês? O que acham dessa possibilidade?

Ronaldo: Eu não lembro de alguém ter manifestado essa vontade. Mas eu considero cancioneiros (ou “songbooks”) importantes para a música de um país. E no Brasil tem muitos compositores e parcerias que merecem ser celebradas. Hoje temos muita gente cantando, compondo, produzindo, fazendo tudo ao mesmo tempo. Mas, para se dedicar a um repertório específico, eu sinto que o mais importante é a presença de um ou uma intérprete concentrado/a nas canções, que imprima sua personalidade e traga um frescor para esse repertório. Quando bem feitos, esses álbuns se transformam em clássicos, são sempre revisitados pelo público e viram referência na carreira do artista.