Convidamos você a navegar pela trajetória artística de Geraldo Azevedo. Um passeio musical que começa às margens do Rio São Francisco e segue em táxis lunares, rádio, televisão, cinema, São João e Carnaval.

RIO SÃO FRANCISCO
Geograficamente, o Rio São Francisco nasce em Minas Gerais e percorre cinco estados brasileiro até desaguar no Oceano Atlântico. São cerca de 2800 Km de ponta a ponta. O rio dos remeiros, dos currais, dos cordéis, do Grande Sertão, o Velho Chico que, por onde passa, ao mesmo tempo, une e separa lugares, aproxima e desloca pessoas. Suas águas conduzem também riquezas materiais e imateriais como as que estimularam a mente musical de Geraldo Azevedo. Em constante movimento, sua obra é feita de elos entre música sacra, baião, forró, Luiz Gonzaga, frevo, influências mouras, bossa nova, João Gilberto, psicodelia e muito mais; é de um pedaço do Brasil e do Brasil inteiro. Mas tem caminho próprio ao criar algo novo, destacado, em meio a tudo isso – assim como das margens do São Francisco nasceram, de um lado, Juazeiro, município baiano, e de outro, Petrolina, sua terra natal.

 

PETROLINA
O futuro compositor recebeu em casa os primeiros estímulos. Geraldo Azevedo cresceu imerso em ambiente musical, inspirado pelos ensinamentos de D. Nenzinha, sua mãe, e atento ao rico repertório que sempre embalou o sertão nordestino. Aos 5 anos, ganhou um violão, presente confeccionado por seu pai, José Amorim, carpinteiro de profissão. Um pequeno-grande gesto que faria nascer um dos violonistas mais originais do Brasil.

Como aconteceu com quase todas as pessoas interessadas em música em sua geração, tudo ganhou novas cores para Geraldo quando a bossa nova apareceu. Às tradições nordestinas como apresentadas naquela região de confluências que o Rio São Francisco proporciona, unia-se a transformação bossanovista que vinha pelas ondas do rádio na voz de João Gilberto, natural da vizinha Juazeiro. Além da inspiração para desenvolver ainda mais a técnica ao violão, surgia por meio da bossa nova (e do rádio) um novo jeito de cantar. Cedo, Geraldo Azevedo passou a se apresentar em pequenos eventos e a envolver-se cada vez mais com assuntos musicais. Fundada a primeira rádio de Petrolina (Emissora Rural: A Voz do São Francisco), foi convidado a fazer parte do programa “Por Falar Em Bossa Nova”, tocando ao vivo os grandes sucessos do gênero. São de sua autoria a música de abertura e as vinhetas do programa, suas primeiras composições.
Música-título de seu quarto disco, “Inclinações Musicais” sintetiza muito bem as influências bossanovistas deste período. A parceria com Renato Rocha foi gravada em 1985 por Nara Leão e Roberto Menescal.

 

RECIFE
A vontade de cursar o ensino superior levou Geraldo Azevedo ao Recife. Mais do que uma oportunidade de avançar nos estudos formais – estudou arquitetura e chegou a trabalhar na área –, a cidade proporcionou ao jovem encontros fundamentais para a sua trajetória artística. Já nos primeiros momentos na capital Pernambucana, conheceu Naná Vasconcelos, Teca Calazans e Paulo Guimarães, e passou a integrar com eles o grupo Construção, interessado nas diferentes expressões do folclore nordestino.
As apresentações em centros culturais, ambientes universitários e na noite recifense trouxeram novos encontros. Era o início da ditadura militar, o que acarretou no fortalecimento de uma arte engajada em diferentes lugares do país. Em 1965, funda o grupo Raiz, também imerso na cultura da região por meio da música, teatro e literatura. Nesta época, conheceu o cantor e compositor Carlos Fernando, que se tornaria seu parceiro musical mais constante. Juntos, compuseram “Aquela Rosa”, em 1967, a primeira canção feita por Geraldo e vencedora do 2º Festival de Música do Nordeste. A música seria gravada pouco tempo depois por Eliana Pittman. Em 1968, encantada com o talento do músico ainda amador, a cantora o convidou a acompanhá-la nos shows “Eliana em Tom Maior” e “É Preciso Cantar”.
A ida ao Rio de Janeiro marca o princípio da carreira profissional de Geraldo Azevedo. Na bagagem, tudo o que soube absorver em Petrolina, dos saraus de D. Nenzinha à bossa nova de João Gilberto. Levava também a vivência em Recife: os diferentes olhares para a cultura pernambucana e nordestina, seu poderoso – e cada vez mais admirado – jeito de tocar violão e as primeiras composições.

 

RIO DE JANEIRO
Em pouco tempo, a estada no Rio de Janeiro deixa marcas profundas em sua vida pessoal e profissional. Após as duas turnês com Eliana Pittman, Geraldo Azevedo passa a acompanhar Geraldo Vandré em seus shows pelo Brasil. O Quarteto Livre, grupo formado também por Naná Vasconcelos, Nelson Ângelo e Franklin da Flauta ganha os palcos de todo o país apresentando as icônicas canções do autor de “Para não dizer que não falei das flores”.
Nesta época, compõe “Canção da Despedida”, música que por muito tempo ficou inédita por causa da censura. Geraldo Vandré, seu parceiro nesta composição, só pôde terminar sua parte no exílio por causa da perseguição dos militares
Assim como o xará paraibano, Geraldo Azevedo também passou a ser perseguido pelo regime militar e esteve preso no ano de 1969. Ao mesmo tempo que interrompeu momentaneamente sua trajetória na música, a privação da liberdade consolidou em Geraldo a certeza de que o seu caminho apontava para a música. Novos encontros e o lançamento dos primeiros discos no início da década de 1970 pavimentaram este caminho de forma brilhante.

 

PRIMEIROS DISCOS
O ano de 1972 marca a estreia de Geraldo Azevedo em disco – que ficou popularmente conhecido pelo título “Quadrafônico” por causa do até então inédito uso da tecnologia quadrifônica de gravação. Ao seu lado estava o jovem Alceu Valença, com quem travou sólida amizade no Rio de Janeiro, embora já se conhecessem de vista nos tempos de Recife. O disco trazia no repertório futuros clássicos como “Talismã” (primeira pareceria da dupla), “Novena” e “78 Rotações”, todos com uma instigante sonoridade psicodélica. O trabalho da dupla abriu as portas para o talento de outros grandes cantores e compositores nordestinos que ganharam o devido espaço no cenário nacional a partir dessa época e hoje figuram entre os principais nomes da música brasileira.
O primeiro disco solo, “Geraldo Azevedo”, viria quatro anos depois. Nele, as referências ao folclore pernambucano se misturam a temas de crítica social. Destacam-se as parcerias com Carlos Fernando, entre elas “Juritis e Borboletas”, “Em Copacabana” e “Barcarola do São Francisco”, esta última um passeio sentimental pelo eterno rio. Também do repertório deste disco, “Caravana” foi sucesso na trilha sonora da novela Gabriela, de 1975.
Mas o divisor de águas viria com “Bicho de 7 Cabeças” (1979). Além da música-título (que conta com a participação de Elba Ramalho), o disco traz o sucesso imortal “Taxi Lunar”, parceria com Alceu Valença e Zé Ramalho, e a voz de sua mãe e mentora, D. Nenzinha, na canção “Natureza Viva”. O sucesso nacional que Geraldo alcança com este disco se consolida com “Inclinações Musicais”, um disco que apresenta de forma transparente suas mais importantes influências musicais e temáticas: o suingue do frevo, a força do baião e o lirismo da bossa nova; tudo à maneira original de Geraldo Azevedo. No repertório, “Dia Branco”, “Canta Coração” e “Moça Bonita”.

 

CANTORIAS E GRANDES ENCONTROS
Na década de 1980, novos discos fortaleceram ainda mais a obra de Geraldo Azevedo em passeios por gêneros próximos das várias vertentes da tradição nordestina. Discos como “For All Para Todos”, “Tempo Tempero”, “De Outra Maneira”, entre outros, têm o mérito de, ao mesmo tempo, diversificar e aprofundar a relação do público geral com a música do Nordeste. Em resumo, a obra de Geraldo Azevedo desafia de formabrilhante estereótipos regionalistas. Uma prova disto está na parceria com o paraibano Vital Faria e com os baianos Elomar e Xangai, que deu origem aos discos “Cantoria”, lançados respectivamente em 1984 e 1988.
Em 1995, o que começou como uma turnê de Gerado Azevedo e Zé Ramalho no show “Dueto” se tornou um “Grande Encontro”, incluindo Elba Ramalho e Alceu Valença. A união dos quatro artistas foi uma oportunidade de reviver clássicos de suas respectivas carreiras e sucessos de mestres como Luiz Gonzaga, Geraldo Vandré e Trio Nordestino. O primeiro volume lançado em 96 ganha Disco de Platina Triplo e deu origem a outros discos e DVDs.