Gravado no Rio de Janeiro em 1977, “Feito Para Ouvir”, terceiro disco de carreira de Emílio Santiago é uma obra-prima da discografia da moderna música brasileira. Nele, o então jovem cantor confirmava seu talento e versatilidade, interpretando de forma sensível e natural um repertório primoroso. Canções consagradas nos clubes noturnos dos anos 50 e 60 e composições contemporâneas dos anos 70 brilham na voz de Emílio, com arranjos ao mesmo tempo modernos e intimistas, executados com maestria pelos músicos excepcionais que o acompanhavam na noite carioca. Um cantor chiquérrimo em início de carreira.

 

Emílio Santiago

Eu comecei a cantar “na noite”, nos anos 70, com os mestres Tito Madi, Marisa Gata Mansa e Ribamar. Minha passagem pela noite carioca foi rápida, mas muito intensa, porque tive a felicidade de cantar os compositores da época, acompanhado por músicos maravilhosos. Alguns desses músicos hoje já não estão aqui, e eu tenho muita saudade deles.

Eu cantava acompanhado pelo trio de Laércio de Freitas. Nós trabalhamos juntos por um bom tempo na boate Flag e tínhamos uma química maravilhosa. Eu acho que tudo que eu sei de música como cantor devo ao Laércio, porque ele sempre foi um músico muito exigente, fazia arranjos complexos e me aplicava “ciladas” musicais todos os dias.

Foi quando surgiu a idéia de fazer o FEITO PARA OUVIR. Eu me lembro que perguntei pro Roberto Menescal, produtor do disco, “por que fazer esse disco?”, afinal o meu primeiro LP pela Philips tinha acabado de ser lançado há apenas alguns meses. E o Menescal argumentou que seria importante pra mim trabalhar uma outra vertente como cantor, porque eu tinha essa versatilidade.

O disco foi gravado no Rio de Janeiro em dois ou três dias, praticamente ao vivo no estúdio. A escolha de repertório foi feita pelo próprio Menescal e pelo produtor Roberto Santanna. Eu não participei da seleção, mas acho que foi de uma felicidade muito grande e acrescentou demais à minha carreira. Algumas músicas eu já cantava na noite, outras eu aprendi especialmente para gravar, o que acabou me aproximando de outra turma: Tom Jobim, Baden Powell, Toninho Horta – de quem gravei Beijo Partido, que abre o disco.

Algumas canções eram de uma época em que eu só ouvia música, não cantava. Quer dizer, eu saia da faculdade, ia pro trabalho, depois pro bar… Canções que faziam parte de um universo totalmente diferente do meu. Por exemplo, Maria – música feita por Gilberto Gil nos anos 60 e dedicada a Maria Bethânia.

Já Ponto Final havia sido lançada por Dick Farney. Dick acabou sendo uma grande referência para mim, pois, antes mesmo de João Gilberto, ele já tinha deixado de lado essa coisa do vozeirão dos cantores de antigamente.

Os compositores da época que queriam lançar uma música com uma sonoridade diferente entregavam suas músicas a ele. Quando eu comecei a cantar, todos os cantores tinham músicas do Johnny Alf em seu repertório. Ele influenciou outros compositores quando apareceu. Muitos deles confessaram mais tarde que iam à boate Plaza para ouvir ele tocar e cantar, aprender com suas melodias, pegar as harmonias e aquelas dissonâncias.

De Johnny gravei para este disco O Que É Amar. Depois tive a alegria de me tornar amigo dele, amizade que continua até hoje. Última Forma foi a canção que me aproximou de Baden Powell. Eu fiquei sabendo, através de amigos meus que estavam exilados na França, que ele adorou a minha interpretação e a considerou a definitiva. Mais tarde cheguei a trabalhar com ele e interpretamos essa música juntos. Foi muito emocionante.

Tristeza de Nós Dois é uma das músicas mais bonitas da Bossa Nova. Um dos compositores, Durval Ferreira, é um grande querido. Foi ele quem me lançou no disco; ele que me viu cantar num programa de calouros e ligou para a televisão no mesmo dia dizendo que queria me contratar. E aí produzimos o meu primeiro disco de carreira.

Rua Deserta e Olha Maria eu comecei a cantar também por influência do Laércio de Freitas. João Donato era muito amigo do Laércio. Mentiras faz parte do disco “Quem É Quem” do Donato, com a participação de Nana Caymmi. Eu adorava essa gravação, então cantava muito essa música. Na época, Nana e Donato iam muito ao Flag, e era muito engraçado porque fazíamos essa música juntos e acabava durando uma hora… Eu e Nana cantávamos a letra toda várias vezes e Laércio e Donato solavam várias vezes também, era uma delícia.

Na época eu fiquei assustado com a escolha de Se Pelo Menos Você Fosse Minha porque é uma musica muito difícil de cantar. A Bossa Nova tem essas coisas. Se hoje eu fosse cantar, eu sei que Menescal iria me cobrar todas as notinhas. E Agora? é das músicas mais bonitas que eu já cantei. Eu adoro Silvio Cesar, é um dos meus compositores favoritos.

Eu era muito novo quando gravei este disco e nem sei como eu cantava essas canções naquela época. Mas hoje eu me escuto e acho muito interessante. Eu precisava mostrar que sabia dividir, harmonizar, dissonar, tinha que mostrar tudo. Mas hoje eu me escuto e sinto que cantei naturalmente, sem essa preocupação.