Muitas vezes, na literatura ou no cinema, as adaptações são necessárias para que uma obra seja totalmente compreendida. O mesmo pode acontecer no mundo da música, embora este seja mais aberto a reinterpretações. Versões podem ser grandes homenagens ou um meio de aproximar certas canções de um público que acabaria não se interessando por elas justamente por não as compreender bem. Para o compositor, é uma maneira de criar sem negar a fonte e de fazer parte de uma obra que admira. Por preservar certas características das composições originais, as versões bem-sucedidas, como as que apresentamos nesta playlist, têm ainda o mérito de fazer o público transitar entre dois universos diferentes, aproveitando o melhor de cada um deles.
Nada Mais (Lately) – Sandra de Sá
Por serem melodicamente tão bem construídas, as canções de Stevie Wonder são capazes de encantar mesmo a parte do público que desconhece seus significados. Mesmo assim, quando sabemos o que a letra quer dizer, tudo ganha um colorido mais bem definido. Gravada pela primeira vez em 1980, “Lately” pode ser percebida como uma música romântica, mas, na verdade, descreve em primeira pessoa situações de desencontro e ciúme entre um casal. A versão de Ronaldo Bastos, sob o título “Nada Mais”, transporta para a língua portuguesa as nuances do tema original, aproximando o público brasileiro dos dramas vividos pelo casal-personagem. Gravada por grandes nomes como Sandra de Sá, Djavan e Gal Costa, a música foi tema da novela “Corpo a Corpo” (1985), da Rede Globo.
Faz de conta (L’italiano) – Eduardo Costa
Composição de Toto Cutugno e Cristiano Minellono, “L’italiano” se tornou um grande sucesso desde sua estreia no início da década de 1980. A letra original, que expressa o imenso orgulho de ser italiano de uma maneira nada contida, também foi uma das mais cantadas quando a Azzurra conquistou a Copa do Mundo em 2006. Mas nem este imparcial tom nacionalista impede que a música tenha versões em vários países tão diferente entre si quanto Israel e Vietnã. Sob o título “Faz de Conta” na letra de Carlos Colla, hoje em dia a canção é um enorme sucesso no repertório do cantor sertanejo Eduardo Costa. Já na década de 1990, outros artistas ligados ao gênero, como José Augusto e a dupla Gian e Giovani, haviam gravado a versão brasileira.
Eva – Rádio Taxi
Na década de 1980, o medo generalizado do fim do mundo alcançou seu auge em meio à Guerra Fria, ao desenvolvimento massivo de armas nucleares e aos avanços em tecnologias de comunicação. A indústria cultural expressou esse medo de diversas maneiras, inclusive em forma de música. “Eva”, composição de Umberto Tozzi e Giancarlo Bigazzi, é um dos mais emblemáticos exemplos disso, não só por seu tom “apocalíptico-surreal” ao misturar referências bíblicas e científicas, mas pelo enorme sucesso que fez. Para nós brasileiros, ela é ainda mais peculiar por causa da igualmente bem-sucedida versão em português, que foi gravada pela banda de rock Rádio Taxi (em arranjo bastante parecido com o original italiano) e posteriormente pela Banda EVA, de Ivete Sangalo.
Hijo De La Tempestad – Ana Belén
“Paisagem da Janela”, de Lô Borges e Fernando Brant, foi originalmente gravada no clássico e revolucionário disco Clube da Esquina, de 1972. Na música, melodia e letra passeiam entre o interiorano e o universal, entre o tradicional e o revolucionário, o concreto e o imaginário. Este jogo de combinações, difícil de ser reproduzido em qualquer contexto, ganhava ainda mais significado em meio aos elementos que distinguem o disco como um dos grandes acontecimentos da música brasileira: a capa, os arranjos e, claro, esta e as demais canções. Mesmo sem contar com estes elementos, o cantor e compositor Joaquín Sabina conseguiu manter em “Hijo De La Tempestad” o clima fantástico da composição original. A música foi sucesso na década de 1980 na voz da atriz e cantora espanhola Ana Belén.