As Árvores

Não como nem tenho como
Ganhar dinheiro
E agüento um pesado sonho
De brasileiro
De meu só tenho eu no mundo
O mundo contrário
E moro na roupa que
Não possui armário
Parentes não tenho não
Amigo eu não tenho cão
Meu único amor no mundo
São as árvores!
Só elas com segurança
Não me desprezam…
As flores morrem…
Amores morrem…
Mas hei de inventar a pinga
Do eterno porre
Quisera ser elegante
Mas sou precário
Quisera eu ser malandro
Mas sou otário
De amores nem vou falar
Na minha amargura
Que o samba já tem uma vasta
Literatura
Sou menos, já não sou mais
Não faço, mas tanto faz
Meu único amor no mundo
São as árvores!
Só elas com segurança
Não me desprezam…
As águas secam
Virtudes pecam
As cercas de um grande medo
Já não me cercam

Sorriso é um privilégio da delicadeza constante
Sorriso é a recompensa da pureza superior
Alguém que conquista fortuna lesando o seu semelhante
Devia ter, no semblante,
Caretas horríveis de dor
No entanto, Deus deu o direito de poder sorrir igualmente
Àquele que é virtuoso, assim como ao imoral
Roubas dinheiro do povo mentindo descaradamente
E eu sempre te vi sorridente
Em foto que sai no jornal
Mas nem
Com a mente mais calma
Se pode aceitar
Alguém
Com veneno na alma
Ter força no olhar
Quem tem
Duas caras, devia
Ter paralisia
No maxilar
Teu riso forçado na foto que a tantos ingênuos cativa
Não sei nem se devo dizer o que penso, se devo pensar
Desperta desejo de dar-te um bom pontapé na gengiva
Pra não mais sentires orgulho
Do que deve te envergonhar
Desmonta teu riso e recolhe o que te sobrou de vaidade

Transforma a vergonha, daqui por diante, no teu bem maior
Talvez te floresça um brilhante sorriso de sinceridade
E não roubarás a cidade
Por teres teu próprio valor

É triste ver pela rua na tarde nublada
De gravata e camisa suada
O artista que mudou de profissão
Renunciou a seus planos
E já vive há longos anos
Sem ver um verso passar pelo seu coração
Vai a caminho de casa com olho tristonho
O poeta que enterrou seus sonhos
E perdeu-se de uma distante visão
Que no infinito espelhava o brilho só seu
E a poeira do mundo escondeu
O deixando sem mais solução
É triste ver apagado e indiferente
Esse que nasceu pra justamente
Criar vida por cada espaço onde for
Ver através do mau tempo o sol da verdade
E cantar para a humanidade
Despertando uma esperança maior
Claro que a luta da vida se fez mais urgente
E esse homem tombou finalmente
Impotente cedendo ao senso imbecil
Que não cultiva o artista maior no Brasil
É triste ver pela rua na tarde nublada…
O tempo passa e lhe foge a sensibilidade
Já não sente nem dor nem saudade
De um caminho que tantas luzes lhe deu
Hoje deserto a desperdiçar tanta cor
Esperando o seu velho cantor
Que não volta pois já se esqueceu

Tou chegando aqui
E aqui reconheço que é meu lugar
O que era saudade
Tornou-se vontade de estar simplesmente
Assim como estou debaixo do sol
Deixando correr o melhor sentimento que há
Por saber que me encontro
Onde nas outras horas só vivo a esperar
Qual uma ave qualquer
Um sopro passando cantando por mim
É pra ser sempre assim
A música desce e a gente esquece
Até de acabar o que não tem fim

Preciso aprender livremente a sair e entrar
Bem nesse jeito
Que é como um riacho com sol a diamantear
A única coisa que eu cato
Quando ando no mato a raciocinar
São pingos de som, pedaços de cor
Da nascente de tudo que há
Mas, essa beleza, é hora
De acabar agora
Eu vou te guardar
Pois outros sons vêm aí
Que vão me distrair
Que vão me desviar
Bem, a tarde já cai
Por sobre o caminho de se regressar
Vou voltar me sentindo
Completo e mais lindo lembrando você
Que em mim despertou a inspiração
Prometo que diariamente vou sintonizar
E, por mais que eu te esqueça
Estás imortal sempre a me esperar

Não era rato
Não era bem-te-vi nem gato
Não era cachorro do mato
Era o vento no bambuzal
Não era paca,
Tatu nem cotia, não
Era gambá nem gavião
Era o vento no bambuzal
Não era bandido
Não era ladrão de manga
Nem macaco nem capanga
Era o vento no bambuzal
Não era cobra
Cascavel nem sarigüê
Não era lagarto nem ninguém
Era o vento no bambuzal
Olha o vento no bambuzal
Olha o vento no bambuzal
Não era alma
Vigiando a escuridão
Nem Jezebel nem Lampião
Era o vento no bambuzal
Não era fonte
Refletindo a lua clara
Não era o canto da Iara
Era o vento no bambuzal
Não era saci
Que tava saindo do gomo
Nem duende nem gnomo
Era o vento no bambuzal
Não era Rosa
Que voltava para mim
Não era bom, não era ruim
Era o vento no bambuzal
Olha o vento no bambuzal
Olha o vento no bambuzal

Muito me comove saber que tu gostas de mim
Mas não me entrego por não ser amável assim
Meu sentimento é deveras imperfeito
Não te assumo, pois tenho preconceito
És uma flor graciosa sedenta de amor
Eu bem queria regar-te e te proteger de toda dor
Mas trazes no teu passado horríveis depravações
Até hoje, quando bebes, te entregas a torpes sensações
Meus parentes são conservadores, o que eles dirão
Se souberem que buscas na noite prazeres sem classificação
Sofro com tua mudança de comportamento intempestiva
Que os especialistas chamam psicose depressiva

Todas as notas musicais à beira-mar
Todos os santos no silêncio do altar
A nuvem mais avermelhada do poente
O murmúrio da nascente
Nunca saberão mostrar
Mesmo o que de mais nobre um homem planejar
Mesmo o poema que acabou de terminar
Sentindo a maior contemplação da arte
Não são milésima parte
Nem capazes de encantar
Como o sorriso de um malandro pé-rapado
Maltrapilho, desdentado
Amarrotado pelo sol
Extasiado e carcomido pela cana
Desprezado pela grana
Torcedor de futebol
Senhor da força de criar um universo
Em melodia e verso
Apesar de tal poder
Vai pelo mundo aprisionado
Por amores descuidados
E afetos enganados
Professores do sofrer
Que os olhos cegos dos pedestres sem sentido
E com desejo entorpecido
Nunca hão de perceber
Nem mesmo a fonte inatingível do amor
Nem no mais alto galho a mais rara flor
Jamais provoca um samba puro como toca
Um vagabundo carioca
Maltratado e sofredor

O sol vai terminando
A volta do dia que ele desenhou
Barco pesqueiro vai
Ao longe na praia do Arpoador
Tudo vai azulando
Vai azulando até escurecer
Antes de alguma estrela
Ou da luz da primeira janela acender
O povo em movimento
Que vai do Centro pra Zona Norte ou Sul
Tempo perdido que enfastia
E põe em desarmonia com o azul
Muito acima disso
Descansa o Cristo e as torres do Sumaré
Vendo a Cidade Maravilhosa
Em baixo do cor-de-rosa do céu

Sempre que eu caminho à toa
Entre as sombras do passado
Vejo um prédio abandonado
Lá no bairro da Gamboa
É o prédio da C.A.F.E.R.J.
Lá no porto antigo, perto
Dos seus armazéns desertos
Minha inspiração emerge
Viva a C.A.F.E.R.J.! Viva a C.A.F.E.R.J.!
Instituição extinta
Que eu não sei pra que é que serve
Nos bons tempos de existência
Esse pavilhão imenso
Tinha funcionários tensos
E patrões sem paciência
Hoje guarda, em sua raça,
Toda paz das horas mortas
Entre persianas tortas
E janelas sem vidraça
Viva a C.A.F.E.R.J.!…
Tuas belas empregadas
E formosas secretárias
Despertavam sempre várias
Ilusões enamoradas
Já findaram-se os amores
Já morreram tais histórias
Hoje restam só memórias
Nos teus velhos corredores
Viva a C.A.F.E.R.J.!…
Tens um mundo de saudades
E recordações etéreas
Nestes restos de matéria
Do que foi nossa cidade
E, por essa rua antiga,
Pelas altas madrugadas
Nossos ébrios camaradas
Cantarão esta cantiga

Viva a C.A.F.E.R.J.!…

Dinheiro! Dinheiro!
Quem quer dinheiro!
Precisa que o povo fique duro primeiro
Despido de ambições a esperar paciente
Até o crescimento engrandecer toda gente
Dinheiro para o pente dos cabelos da morena
Dinheiro pra pintar céu azul em Ipanema
Dinheiro pra deitar sob a sombra da mangueira
Dinheiro pra brincar sem pensar na quarta-feira
Dinheiro pra comprar corda para o violão
Dinheiro pra cantar e ganhar um coração
Dinheiro pra comprar um anel pro meu amor
Dinheiro pra, no fim, eu cuidar da minha dor

Toda cidade vai cantar de novo
Toda cidade vai cantar de novo
Com satisfação e harmonia
Até que se inaugure um novo dia
A tomar de poesia a multidão
E o povo vai saber que contagia
De alegria toda nação
De ver tanto trabalho dar em nada
Viu-se a gente acostumada
A se guiar pela inversão
Mas até mesmo a barra pesada
Tem poesia que eu sei
No fundo do coração
Atenção
Meu som nasceu na noite da cidade
Quando as luzes da favela
Eram igual constelação
Todo mundo dormia
Enquanto a lua luzia, só eu
Laborava em solidão
A canção
Que toda cidade vai cantar de novo
Toda cidade vai cantar de novo

Estou sozinho de tudo
E não tenho idéias
Os carros passam bem longe
E eu não sinto idéias
Espero o poema novo
Mas não vejo idéias
Sei que há infinitas notas
Mas não ouço idéias
Sucesso é a grande idéia
E eu não encontro idéias
A idéia às vezes passa
E não me passam idéias
E eu que vivo de idéias
Estou faminto
Tentei ser o mais sofrível
Na procura da idéia
Perdi um amor incrível
E não cantei uma idéia
E após tentar o que pude
Na esperança da idéia
Prometo buscar virtude
Se ela me der idéia
Pois eu vivo de idéias
E estou faminto