Abstraia, Baby

Não tenho nenhum trocado
E o dia já vai nascer
Mas tenho um samba zangado
Posso cantar pra você
Não tenho terra nem gado
Só essa lua no mar
Mas tenho o meu dedilhado
Pra te fazer balançar
Nem fama nem doutorado
Nem cargo nem comissão
Só esse verso afobado
Pulando no coração

Eu vou jogar um tango
Na sua cara de bolero comedido
No seu nariz de rock’n’roll arrependido
No seu olhar de samba-reggae industrial
Vou esfregar um tango
No seu jeitinho serenata de encomenda
No seu estilo hip-hop da fazenda
No seu appeal de rap instrumental
E o meu tango imprimirá marcas e arranhos indeléveis
Nesse seu quê de carimbo de Hollywood
Nesse seu ar de bossa-nova do sertão
E o meu tango incrustará largas e profundas cicatrizes
No seu sorriso de ciranda pau-no-gato
No seu império pop liquidação
Eu vou jogar um tango
Na sua cara de bolero comedido
No seu nariz de rock’n’roll arrependido
No seu molejo de merengue japonês
No seu balanço de reggae-roots burguês
Nesse seu blues sem álcool, nem solidão
Nesse seu samba sem luar, sem violão

Baby, não vamos falar nisso
Certas noites são confidenciais
Deixe
Entre você e eu
Afinal de contas, a noite de ontem nunca aconteceu
Noites são dias surreais
E algumas delas são muito originais (até demais)
Então morreu
Entre você e eu
Afinal de contas, a noite de ontem nunca aconteceu
A sua coleção de LPs era mesmo impressionante
Ia do mais desesperado blues ao frevo mais feliz
Provando que a música é o que há pra traduzir o infinito
E a vida acontece no espaço entre o punk e o samba de raiz
E aquele tom, aquela tim, aquele gim, aquele fim de madrugada
E aquele beijo todo encabulado que você me deu
Mas o dia foi raiando e o nosso caso foi ficando pra depois
Das curvas da estrada
Afinal de contas, a noite de ontem nunca aconteceu
E o folhetim, o zepelim, o passarim, naquele fim de madrugada
E aquele papo todo atravessado que apareceu
Mas o dia foi raiando e o nosso caso foi ficando pra depois
Das curvas da estrada
Afinal de contas a noite de ontem nunca aconteceu
Pelo amor de Deus, a noite de ontem nunca aconteceu
Para o bem de todos, a noite de ontem nunca aconteceu
Baby, colabore e abafe o caso

se preocupe
Eu sei me virar
Alguma insegurança
Mas isso em mim já é de se esperar
O vento continua sacudindo o meu cabelo
Sem ligar pra essa minha grande dor de cotovelo
Faça como o vento
Se alguma noite me encontrar
Sentado numa mesa
De uma biboca que pensa que é bar

Aperte o passo, siga em frente e vá soprar suas bobagens
No ouvido de um novo otário que acreditou nas suas viagens
Querer saber de mim
Não precisa
Dizer que a vida é assim
Não precisa
Não chore uma gota, não se abale, não se desculpe
Que eu já conheço o seu truque, seu batuque sempre igual
Sentir pena de mim
Não precisa
Gastar o seu latim
Não precisa
Guarde seu beijo, seu abraço, sua estima
Que eu sei de cor um velho samba que me ensinou
A dar a volta por cima
Não se preocupe
Não precisa

Madame falava mal do samba
Dizia que era invenção da ralé
Que não era bom para gente nobre
E moça que se preza não devia por o pé
Madame espalhava pras amigas
Em sua varanda tomando Chandon
Que samba era coisa sem valia
E que não merecia uma Louis Vuitton
Que uma roda de samba
Devia se evitar
Que num bairro de bamba
Nunca iria passar
E que as melodias que o meu povo canta
Eram tão desagradáveis pro seu paladar
Eu não sei que milagre
Eu não sei o que foi
Se vai ter batuque não importa a data
Ela que o samba destratou
Aparece feliz ao lado de uma bela mulata
Disseram que já foi batizada
Joga capoeira e vai no candomblé
Primeiro do ano passa em Copacabana
E dois de fevereiro na Bahia do axé
Jogando tanta rosa branca para o mar
Que até Iemanjá chega a dizer “tá bom”
Será que foi por causa daquela mulata

Que madame-gente-fina resolveu mudar de tom?
Será que foi por causa daquela mulata
Que madame gente fina resolveu mudar de tom?

Você nunca vai gostar de mim
Como eu queria
E outra vez eu vou renunciar
À minha alegria
O amor
Não deve ser pra mim
Sempre foi assim
Mas ele vem de novo me abusar
Pra ver se eu aguento
Até o fim
Outra cerveja, outra bagana, outra carreira, outra ilusão
Outro babaca, outra furada, outra noite perdida em vão
Eu pareço um personagem de samba-canção
Ou um blueseiro cantando numa estação onde o trem não pára
Eu hoje olhei na minha cara
E dei uma risada besta
Uma risada besta
Você nunca vai gostar de mim, criança
E outra vez eu vou deixar pra lá a minha esperança
O amor só nasce para alguns
Nunca bateu aqui
Mas de pirraça ele passa e ri de mim
Só para eu ver
E ficar ruim, ruim, ruim
E aí
Outra cerveja, outra bagana

Não, nem venha pra cá
Com seu ar de bacana
Eu já percebi que seu samba engana
Qualquer coração que se deixe enganar
E nem o swing que vem do seu teleco-teco
Nem o seu bordão nem o seu reco-reco

Vão me convencer desse larárárá
Parece que seu batuque
É pra fazer tropeçar
Um bamba que se descuide
Da ginga do seu ganzá
Parece que essa levada
É pra fazer patinar
Passista desavisada
Que cante o seu lalaiá
Vem não, sambinha pastel
Nem venha, que eu conheço Noel
Vem não, sambinha de vitrine
Nem venha, que eu conheço Caymmi
Pois eu, que sambo de salto, chinelo ou descalço
Já fiz um refrão pra mostrar que é falso
O seu olerê e o seu olárá
Pois quem já sentiu a pisada do surdo do peito
Batendo demais por alguém sem respeito
Já vê que seu bumbo vai atravessar
Quem sapateia inocente
Atrás do seu violão
Infelizmente não sente
Seu estribilho chavão
Quem sai fazendo coro
Atrás do seu bandolim
Não imagina o choro
Quando chegar no fim
Vem não, sambeco meia-sola
Nem venha, que eu conheço Cartola
Vem não, sambico escovão
Nem venha, que eu conheço João
Vem não, samboco cotó
Nem venha, porque eu conheço Benjor
Vem não, samba sem melanina
Senão vou chamar Clementina

Você bebeu
De novo
Você bebeu
Na frente daquele povo
Bem nascido, bem vestido e endinheirado
Você bebeu sem cuidado
Você falou
Mais alto
Você desceu
Do salto
Cantou refrões
Sem qualidade
E revelou para todos a minha idade
Hoje eu acordei mais cedo
Liguei pra sua irmã
E desabafei com ela
Do jeito que você está
Eu vou cuidar da minha vida
Se a ressaca deixar, prepare você a sua comida
Apesar do que você me faz
Eu sou mulher que ainda sonha
Hoje eu fui à praia com a sua irmã
E com a minha vergonha
Você bebeu
De novo
Você bebeu
Na frente daquele povo
Metido a besta, enfatiotado e endinheirado
Você ficou, ficou chapado
Você falou
Mais alto
E despencou
Do salto
Cantou pagodes
Da pior qualidade
E saiu berrando que eu estou chegando à terceira idade
Hoje eu acordei mais cedo
Liguei pra sua irmã
E fiz sua caveira com ela
Do jeito que você está
Eu vou é cuidar da minha vida
Se a cachaça deixar, prepare você a sua comida
Apesar do que você me faz
Eu sou mulher que ainda sonha
Hoje eu fui à praia com a sua irmã, aquela outra colega dela
E com a minha vergonha

Essa menina tá a fim de você
Do jeito que ela te olha dá pra ver
Essa menina tá a fim de você
Aposto
Ela só falta te dizer na cara
Ela só falta te dizer na bucha
Talvez por ela for assim quietinha
É que ela não desembucha
Mas dá pra sacar
Num deslize do olhar
Nem todo amor
Tem gogó de torcedor
Garanto que quando ela chega em casa
Fica pensando no que você disse
Deve ter uma, duas, três amigas (no máximo)
Que sabem
Mas se ela topa com uma lua cheia
Já dá pra ver seu coração sonhando
Que um dia desses, essa mesma lua
Vai ver vocês namorando
Pois dá pra sacar
Num tropeço do olhar
Nem todo amor
Curte palco e refletor
Essa menina
Essa menina tá
Essa menina tá a fim de você…

Ela é carioca
E eu sou apenas um paulista
Encapotado, enfumaçado
E a essa altura da noite
Completamente engarrafado
Ela é mais uma garota
Que só vai no que é bom
Quando o B.G. finaliza
Ela recorre ao Leblon
Dessa Helô
Nenhum escapou
Mas nessa água eu não vou
Nessa gelada maré
Valei-me Jesus
Meu Bom Redentor
O amor é uma cruz, um sorriso e uma flor
Valei-me Jobim
Valei-me Moraes
O amor é assim, não sabe o que faz
Mas graças a Deus
Decolo amanhã
Pra longe daqui
Eu vou ver Jaçanã
Tchau, Rio de Janeiro
Sofrer não é bom
Não posso perder o meu voo das onze
Do Santos Dumont

Que falem, que malhem, que ralhem
Eu caço, eu laço e almoço
Que liguem, que latam, que ladrem
Eu passo, eu pulso, eu posso
Só na treta
Na cocó
Na maciota
No gogó
Que xinguem, que chiem, coitados
Lixo-me, me saio, me instalo
Que mirem e atirem irados
Eu pulo na hora do estalo
Só na treta…
Perturbem, persigam, perversos
Eu gozo, desprezo, eu vazo
Persistam, perjurem perfídias
Eu fecho, abalo, arraso
Só na treta…