O Anjo Na Varanda

A beleza é quem faz acontecer
A ciranda de mais eu e mais você
Reconheço em ti
Meu menino rei
Ecos de um tambor
Que eu também sonhei
Inventor de sons
Me deixei levar
Trouxe aquele azul
Que eu te prometi
Vi mundo grande
O sertão atravessei
Fiz o que o amor nos mandou
Eu e mais você
Reconheço em mim
Cada um de nós
O poeta sol da conspiração
Versos são punhais
Ou serão jardins
Onde eu descansei com Diadorim
Vi mundo grande
O sertão atravessei
Fiz o que o amor nos mandou
Eu e mais você
O mistério de tocar um coração
O poeta quando quer é pra valer
A beleza é quem faz acontecer
A ciranda de mais eu e mais você

Na varanda de Vera Brant
O anjo de Mestre Dezinho governa
Mas todo mundo sabe que é Vera quem manda chover
Nem reza na Igrejinha
Nem azulejos do Athos
Brasília sem Vera não rende
É a verdade dos fatos
A prosa de Vera é reta
Onde o vento faz a curva
É prosa diamantina
Não atola em água turva
Não pia nem passarinho
Nem caso de beira de rio
Contado pelo Tavinho
Com a benção do Fernando
Em tudo existe carinho
Debaixo do flamboiã

O trapezista balança no ar
No compasso exato da melodia
Os sons que a banda faz espalhar
Também são instrumento de seu trabalho
O segredo de sua profissão
Não está só na força de seus braços
No vigor das pernas, no gestual
A música é sua parceira
O ritmo tem de ter precisão
Seja na vida ou seja no circo
É tudo um respirar, caminhar

É tudo um respirar, caminhar

O circo é um palhaço a rigor
A música é a conversa de deuses
A vida é brincadeira de meninos
Todos eles, descobrimento e invenção

O mundo cabe em minhas mãos
E eu o guardo no colo
Clara no colo
Clara dorme
Clara acorda
A cor do sono de Clara
Desperta o reino dos sonhos
Olhar o olhar de Clara
Sorrir o sorriso dela
Beber de sua alegria
Ter a sua companhia
Clara é a cara da vida
Que um dia eu sonhara
Clara Clara Clara

O que ficou desse ouro
Depois de tanto suor
De tanta gente enterrada
Na busca da riqueza
Para onde foi a glória
Para onde o poder
Se o destino é um só
A eterna fortaleza
Ficaram casas cidades
Igrejas iluminadas
O desejo nas ladeiras
O sonho dos homens
Ficou o que foi escrito
As esculturas de pedra
A poesia, o canto
O que ficou foi a cultura
Que o povo de hoje cultiva
Carregando em seu andor
Sem saber que para tanto
Houve morte e muita dor

A luz que vem de teus olhos
É dona do meu olhar
Senhora das noites frias
Que veio me agasalhar
Meu caminhar pelo mundo
Teve começo e terá fim
Mas nas veredas da vida
A beleza me diz sim
É por ela que eu ando
Garimpando humanidades
Tudo o que é belo me encanta
E me traz felicidade

Nos teus braços é que canto
E chamo toda alegria
Com teu fogo eu espanto
Toda tristeza que havia
A luz que vem de teus olhos
É dona do meu olhar
Senhora das noites frias
Que veio me agasalhar
Eu sou é da madrugada
Quando o que vale é sonhar
Quando os melhores desejos
Encontram hora e lugar
Mas sou também das manhãs
Dos amores matinais
Quando os corpos se encontram
Nas varandas e quintais
A tarde também existe
Para quem sabe amar
Quando a cidade ressona
Depois de se alimentar
E quando chega a noite
Estrelas e lua no céu
Uma luz me manda aviso
Dizendo que eu sou teu

Um corte no som do mundo
Um raio partiu a noite
Vazio calou palavra
A terra é só silêncio
O rio está dormindo
E nada se move naquele lugar
Cuidado não vá
Da água beber
No leito nadar, não vá

Soluço sem voz abismo
O oco da dor lateja
O morno do ar parado
O frio que vem de dentro
O rio está dormindo
E nada respira
É só mansidão
Cuidado não vá
O peixe pescar
O rio acordar, não vá

Zambi meu pai
Zambi meu rei
Última prece que rezou
Foi da beleza de viver
Olorundidê
Olorundidê
Longe, muito ao longe
Além do mar
Meu rei guerreiro
Diz adeus a quem vai ficar
Diz pra sua gente
Não desesperar
Zambi morreu
Se foi, mas vai voltar
Em cada negrinho que chorar
Zambi meu pai
Zambi meu rei
Última prece que rezou
Foi da beleza de viver
Olorundidê
Olorundidê

Bem longe daqui
Onde só se chega de avião
Um outro sertão
Uma savana no Brasil
Um aldeado aberto, milenar
A lua mora perto e vem escutar
O canto que se canta naquele lugar
Ê vida sem fim
Casa de farinha, buritis
A jandaia-sol
Que alegria sem igual
A tarde não demora responder
A lua mora perto e vem escutar
O canto que se canta bem longe daqui.
Redes estrelas peneiras trança o tecedor

Eu fiz a casa de barro
Ao lado daquele rio
De palha meu cigarro espantava o frio
E fui atrás daquela moça
Que às vezes me sorria
E ela aceitou com gosto
Ser a mulher que eu queria
A vida era o trabalho
Plantando a nossa comida
Colhendo o fruto da terra
Beijando a rapariga
A festa que ela fazia me enchia de alegria
Ela vivia cantando
E eu ouvia
Eu paro a história no tempo

A memória é só nuvem
O mundo eu sei que mudou
Não sei dizer o que houve
Já não vejo aquela moça
Já não sou o que eu era
A casa, o rio, a fruta
Sumiram feito poeira
O que eu vivi está vivido
Guardado no melhor templo
Aquele que tenho no fundo
No interior, lá dentro
O que nem a morte me leva
Tesouro mais que secreto
O que me faz ser inteiro
O que me faz completo

O que eu encontro é o que eu não sou
É quem chegou e vem me completar
Nunca minha água chegaria ao mar
E eu nem seria esse ribeirão
Se meu caminho fosse a solidão
Nas terras serras nos sertões gerais
Um dia aqui nasceu uma nação
Eram homens vindos de todo o país
Eram ideias que iam ficar
A emboaba alma aprendiz
Ontem, hoje
Nossa terra é
O encontro dessas águas
E essas águas sempre vão seguir
Na direção do mar
E Minas Gerais
Nunca deixará de ser
O altar de homens livres

A liberdade sempre vai morar
Em todo coração de montanhês
Gente que é da cidade e é do sertão
Que é do futuro e da tradição
Que vê primeiro a luz cada manhã
Ontem, hoje
Nossa terra é
O encontro dessas águas
E essas águas sempre vão seguir
Na direção do mar
E Minas Gerais
Nunca deixará de ser
O altar de homens livres

A dançarina espanhola de Montes Claros
Dança e redança na sala mestiça
Cem olhos morenos estão despindo
Seu corpo gordo picado de mosquito
Tem um sinal de bala na coxa direita
O riso postiço de um dente de ouro
Mas é linda, linda, gorda e satisfeita
Como rebola as nádegas amarelas
Cem olhos brasileiros estão seguindo
O balanço doce e mole de suas tetas.

Para o homem e o menino
Para a mulher e a menina
Para o negro, o branco, o índio
E todos que o amor mistura
A vida é o grande bem
A vida é a grande graça
A vida é o melhor vinho
A vida é a melhor cachaça
Para todos que eu encontro
Em casa, na rua ou na praça
Para quem está sempre sério
E em tudo vê desgraça
Eu digo que a vida é o ar
A água, a terra e o fogo
A vida é o melhor vinho
A vida é a melhor cachaça
Para quem vê a vizinha
E não sabe se a abraça
Para quem tem colarinho
E que teme pela traça
E para quem bate o focinho
Ali no meio da vidraça
A vida é o melhor vinho
A vida é a melhor cachaça
Se a história é um pergaminho
Que conta as dores da raça
Se o Brasil é um moinho
Que mói a nossa carcaça
Se o caçador capuchinho
Conhece a hora da caça
Mesmo assim é o melhor vinho
Mesmo assim a melhor cachaça
Se seu terno é de linho
Bem no meio da arruaça
Se existe um pelourinho
Logo depois da mordaça
Saiba que há muito carinho

E que existe quem o faça
Pois a vida é o melhor vinho
A vida é a melhor cachaça
O país tem um caminho
Que nos leva até a taça
O que agora é espinho
Tem conserto e logo passa
Você não está sozinho
Está no meio da massa
Pois a vida é o melhor vinho
A vida é a melhor cachaça
Pois a vida é o melhor vinho
A vida é a melhor cachaça.

Lá pros lados do Mutum
Ouviu dizer
Alguém contou
Nem bem veio o sol
O circo chegou
Dá tempo de ser
Alegre, menino
Tem vontade de ir com o circo
Pra ver o mar
E só voltar
No dia que o amor
Chegar pra valer