Beto Guedes e Ronaldo Bastos fizeram, entre a segunda metade dos anos 1970 e a primeira dos 1980, canções que uniam o pop mais sofisticado e a simplicidade interiorana mais funda, ligada à terra — entre elas, sucessos como “Amor de índio”, “Lumiar” e “Sol de primavera”. Essas e outras menos conhecidas da dupla são revistas por Jussara Silveira em seu novo disco — com essa consciência do chão e do céu que as músicas carregam, como anuncia o nome do álbum, “Pedras que rolam, objetos luminosos” (Dubas) e a expressão que Bastos usa para se referir a ele, “galáxia sertão”.

A história do disco atravessa essas ideias que Jussara destaca. Desde a terra e o sertão (radicada na Bahia, Jussara nasceu em Minas, na mesma região onde Beto cresceu) até a amizade (o álbum diz muito da relação entre a cantora, Bastos, os músicos e produtores Sacha Amback e Marcelo Costa e os coprodutores Duda Mello e Leonel Pereda) e o infinito (onde miram não só as canções, mas também os arranjos de Amback).

PONTE PARA O SERTÃO

Objetivamente, “Pedras que rolam, objetos luminosos” nasceu do desejo que Jussara tinha há anos de fazer um disco com canções de Bastos. Com a ajuda de Pereda, ela chegou ao recorte de dez parcerias entre o letrista e Beto — marcadas sobretudo na cultuada trilogia “A página do relâmpago elétrico” (1977), “Amor de índio” (1978) e “Sol de primavera” (1979), álbuns iniciais de Beto, todos produzidos por Bastos. Sem perceber, Jussara (que, no disco, curiosamente toca o canto de Beto com sua voz) estava escavando num terreno muito pessoal: — Essas canções me levam para o sertão baiano, Vitória da Conquista (para onde se mudou ainda nova). É a cidade de Elomar, um artista que conversa com esse lado mais terra dessas canções, é a cidade dos meus pais. Cantar essas canções foi como uma psicanálise além da psicanálise, se libertar do lugar, uma libertação que tem a ver com a juventude.

A ideia de juventude ecoa pelo álbum. Ela está nas canções imbuídas desse sopro e assim marcadas no imaginário brasileiro — “Amor de índio” e “Sol de primavera” nas rodas de violão e nos discos circulando pelas mãos dos adolescentes, versos como “Sou um cão sem dono” e “Farrear até chegar Lumiar/ E depois deitar no sereno”. Também está nas fotos do encarte, com a cantora, os músicos e os compositores em registros de quando eram jovens. Mais que isso, a juventude se afirma nos arranjos, que carregam a ambição à la Clube da Esquina nas cordas e sopros, mas transpostas para uma sonoridade contemporânea — a ilustração mais poderosa disso talvez seja a forma como a introdução de “Lumiar” é tratada. Da mesma forma, músicas menos conhecidas soam como novidades.

— O lugar desse disco é o centro do Brasil, mas o centro do mundo também — diz Bastos, reforçando o olhar do CD, que mira o dentro e o fora, o chão e o céu. — Ouvindo o álbum, lembrei que falei em “motor da lenda” em “A página do relâmpago elétrico”. Nós do Clube da Esquina sabíamos o que estávamos fazendo algo grandioso. E que a recompensa não seria a fama, seria a lenda. Essas canções estão nesse lugar.