Com escolhas certeiras e métodos originais, em Encontro dos Rios, João Bernardo faz um mergulho mais profundo em nove canções que fluem ao sabor da inspiração.

João Bernardo faz canções. Esta definição pode soar um tanto geral e imprecisa, menos para quem tem acompanhado a carreira do cantor e compositor nos últimos anos. Desde a estreia em 2003 com o EP “Vende Peixe-se”, seu repertório navega livremente pelas águas da canção, tornando sempre arriscada a tarefa de classificá-lo por gêneros, temas e influências. Aqui as margens são parte do rio.

Em Encontro dos Rios, seu quarto álbum e o segundo em carreira solo, a palavra de ordem mais do que nunca é “deixar fluir”. Não por acaso, este é o princípio que orienta a seleção do repertório, a escolha dos músicos, o método de gravação e todas as decisões tomadas para que o álbum adquirisse forma e movimento. Como um rio que passa, arrasta, transporta, encontra outros fluxos, desagua no mar e depois volta a ser rio.

João Bernardo faz canções brasileiras. A unidade conceitual que o termo MPB empresta a uma profusão de correntes estéticas populares engloba quase tudo, desde que tenham os cheiros e os sabores que este canto do mundo produz. Poucos artistas se sentem tão confortáveis neste ambiente próprio a experimentações, mas que costuma ser inóspito a quem nunca se banhou em suas fontes.

Para apresentar suas canções neste novo álbum, João Bernardo flerta com o espírito livre tropicalista, que se expressa aqui mais como um “jeito de corpo” do que como um norte conceitual. A banda que acompanha o cantor em todas as faixas é composta por músicos que carregam as marcas do movimento setentista e sua postura de rir de si mesmos, rir dos mestres, fazê-los sorrir, (re)afirmando desta maneira a canção como a gaia ciência brasileira. Mas o som é contemporâneo e universal. Os responsáveis são Bem Gil, Domenico Lancellotti e Bruno Di Lullo, que também assina a produção do álbum. “A escolha dos músicos foi feita com rigor estético para estar totalmente de acordo com a busca pelo som que tocava na minha cabeça. Os três têm muita afinidade e estão muito acostumados a trabalhar juntos. Logo, há aí um modus operandi que eu já conhecia e queria para o tratamento das minhas canções”.

A gravação de Encontro dos Rios também seguiu um método que possibilitasse chegar a esse som. As sessões sempre começavam com João Bernardo cantando suas canções à capela. Aquelas que conversassem melhor entre si eram selecionadas e assim o repertório do álbum ia se fazendo. A gravação de cada música acontecia no frescor do momento, da maneira como a inspiração mandasse. Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, já disse o filósofo grego antigo. “A ideia era deixar que a música vestisse a roupa que a intuição coletiva daquele pequeno grupo de músicos entendesse. E tudo fluía muito bem! Um dream team trabalhando entrosado, desapegado de perfeccionismos desnecessários. Tudo no calor da hora sendo executado por artistas que dominam a matéria. Assim, sem dor, drama ou ansiedade, tudo fluiu e o disco ficou pronto.” Coincidentemente ou não, um método bastante adequado a estes tempos em que ilusões de controle se desfazem a cada dia. O melhor lugar do mundo é aqui e agora, já disse o compositor brasileiro contemporâneo.

João Bernardo se dispôs a velejar com todos os ventos. A música que dá título ao álbum conta com a participação de Ana Cláudia Lomelino (a Mãeana), que também canta em “Longe Daqui (É Perto de Outro Lugar)”. Tanto a faixa-título quanto a capa têm o toque de André Dahmer. A primeira surgiu de um poema iniciado por ele, que João Bernardo ajudou a transformar em canção. A segunda conta com o registro que o artista fez de um homem na praia de Nazaré, em Portugal. “Um homem caminhando de encontro ao mar, duas forças da natureza se encontrando.”
João Bernardo faz canções brasileiras capazes de tocar profundamente quem as escuta. “Queria Me Enjoar De Você”, “O Amor Vem De Longe”, “Amor Amora”, que apareceram em 2011 no álbum de estreia da DINDA, banda criada para disseminar ainda mais a beleza da obra autoral desse músico mineiro radicado em terras cariocas, se destacam por sua simplicidade, fruto de uma profunda compreensão dos cursos poéticos e melódicos da canção brasileira. O álbum solo mais recente, “Meu Coração Não Para De Me Bater”, lançado em 2015, também é um exemplo disso. Fora as composições gravadas por outros artistas como “Bailarina” (Ana Clara Horta e Pedro Luís), “Lágrima Negra” (Ana Ratto) e “Volume” (Julia Bosco), entre outras. “Sou um cara de sorte, porque estou no meu caminho.” Apresentadas ao sabor da inspiração, com uma sonoridade fluida e original, as nove canções presentes em Encontro Dos Rios mostram que a sorte é toda nossa.

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